Entre Espelhos
Deus não é uma imagem minha, a minha imagem de Deus que é uma imagem minha.
O labor teológico consiste no esforço para interpretação da Revelação. É um trabalho porque boa teologia exige interesse, empenho, entusiasmo e comprometimento.
Existe uma tentação que rodeia o interior de todo teólogo, um impulso pecaminoso de domínio está ao derredor esperando o primeiro desejo de definir Deus, pronto para tragar o movimento mais genuíno de busca pelo divino.
No coração do estudante está uma sala de espelhos, côncavos, convexos ou retos, todos criando uma imagem diferente do mesmo ser parado ali no centro, é Deus se tornando não divino, mas criatura divinizada, sacralizada, canonizada no coração do homem.
Em Gênesis capítulo 11, a narrativa nos conta da tentativa de erguer uma torre que tocasse o céu. Na crise de Babel, o pecado é a construção da torre, é o orgulho humano de se chegar aos céus com o seu trabalho, é rendição à tentação do domínio da relação céu e terra.
A sala de espelhos está sempre lá, pronta para deformar Deus em nossa imagem e semelhança. Deus é. Deus disse. A moderna visão de Jacó são as certezas humanas colocando um degrau de cada vez na relação com Deus, construindo a ponte que chegará ao céu.
A boa nova, o evangelho da narrativa de Babel, é que o próprio Deus Trino desce, confunde as línguas e frustra essa ideia de tocar o céu com o trabalho humano. O labor teológico não é a construção da identidade do divino, mas a desconstrução das ideias que acreditamos ser o divino, Deus não é uma ideia minha!
O teólogo de coração aberto para os mistérios do divino vive em crise. O vazio da queda de Babel, da vitória do evangelho sobre a idolatria do teólogo, não é uma tragédia para a fé em Deus, mas ponto de partida para o profundo mistério do divino, pois pode desmascarar nossos ídolos e falsas imagens de Deus, além das nossas manipulações do divino.
Caro teólogo, o espinho da sua carne é esse impulso pecaminoso de domínio do sagrado, teologia se faz de joelhos porque é aí que o estudante reconhece a graciosidade do Eterno, de olhos para o chão da vida, sem levantar a cabeça para evitar se confundir de novo entre espelhos.